quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Looper - Back To The Treehouse



Foram meses a fio. Meses, feitos de dias e dias em que, em cada um, o pedido se repetia. E repetia... Dias e dias, a frase, cada vez mais choramingada e arrastada, surgia, assim que António punha um pé dentro de casa.
- Paizinho, quando é que nos constróis a casa na árvore?
Impressionava-o a persistência. Aborrecia-o a insistência. Não gostava de dizer que não à menina dos seus olhos. A sua querida Beatriz.
Sentada no chão do hall de entrada, de pernas cruzadas e a “Bi” debaixo do braço – oferecida pelos pais no Natal passado e, desde então, encaixada, noite e dia, entre o braço e as costelas de Beatriz -, a única filha de António esperava-o pacientemente, com uma pergunta – sempre a mesma – na ponta da língua.
António não lhe dizia que não. Não gostava de dizer que não à sua querida Beatriz. Em vez disso, adiava a empreitada para “quando estivesse mais calor”, na esperança de que a ideia da casa na árvore - que em nada lhe agradava - lhe fugisse do pensamento, como o fizeram as ideias do pónei ou da casa de bonecas de três andares. Não fugiu.
- Paizinho, hoje está calor. É hoje que nos constróis a casa na árvore? Eu e a Bi já estamos à espera há muito tempo.. Tu prometeste-nos.
Não gostava de dizer que não à sua querida Beatriz.
O leve encolher de ombros da pequena Beatriz sempre que o pai dava uma martelada lá no alto do velho carvalho, não apagava o brilho nos seus olhos. Ora sentada no relvado, ora a andar em círculos à volta da árvore, Beatriz só tinha olhos  para o seu pai e para a casa que, lentamente, ganhava forma.
- Falta muito? E a escada? Quando é que montas a escada?
Poucos meses passaram e a escada desapareceu. Dos bocados de madeira pregados ao tronco da árvore, sobram restos, partidos em pedaços, espalhados pelo relvado. A casa, essa, continua lá em cima. Nela, apenas consta uma boneca.
Enquanto pousa uma margarida no pequeno rectângulo de terra fresca, António fecha os olhos e anseia pela chegada a casa. Quer acreditar que, quando chegar, a sua querida Beatriz estará, sentada, de pernas cruzadas, a olhar para a porta e pronta a perguntar:
- Paizinho, quando é que nos constróis a casa na árvore?
Mas a maldita casa estava construída. Afinal, não gostava de dizer que não à sua querida Beatriz.
_

5 comentários:

Unknown disse...

São os mesmos Looper do Mondo 77 ?

Morales disse...

São. Mas esta é anterior ao Mondo 77. É do primeiro álbum, "Up A Tree" (1999).

O.M.N.I. disse...

És um freak! lol

El-Gee disse...

gostei mt desta criacao
isto eh a tua interpretacao da musica? Ou a musica eh sobre isto?
Em todo o caso gosto mesmo muito.

(do ponto de vista puramente literario, se eh q me permites a observacao numa historia otherwise flawless, acho que falta uma "ponte" de algum modo entre "quando eh que montas a escada" e "poucos meses passara e a escada desapareceu". Eh evidente que entre as duas frases ela cai da casa, mas falta alguma ligacao, eh demasiado abrupto.)

De resto adorei

Morales disse...

Point taken (and agreed on), El Gee. A ideia era que o "acidente" fosse subentendido mas, sim, concordo que, em vez de subtileza na ligação, alcancei brutidão. Ia dizer que há uma linha ténue entre uma e outra, mas infelizmente, não me parece... lol

Quanto ao motivo, chamar-lhe "interpretação" minha é um bocadinho demais...lol Foi só uma história de que me lembrei quando ouvi a música e li o título. Nunca a tinha ouvido e nem sei se é sobre alguma coisa parecida. Era giro que fosse.

É bom ver-te por aqui outra vez. Por qto tempo podemos contar ctg? lol